Por Marcos Veiga*
Vacas com mastite clínica representam uma considerável parcela dos prejuízos causados pela mastite em fazendas leiteiras. Um estudo canadense recente estimou que os prejuízos causados somente pela mastite clínica perfazem 34% dos custos totais da mastite, enquanto o custo da subclínica representa 48% e de medidas de prevenção, 15%. Assim, os custos da mastite clínica — que envolvem as perdas de produção de leite durante o restante da lactação, os tratamentos, o descarte de leite com resíduos de antibióticos e o descarte prematuro das vacas afetadas — afetam negativamente a rentabilidade da propriedade.
Ainda que a forma mais econômica e eficiente de reduzir os custos da mastite clínica seja a prevenção, não é possível erradicar a doença. Em termos práticos, isso significa que, quando é feito o diagnóstico do caso clínico, a medida mais usada é o tratamento intramamário com antibióticos de todos os casos. No entanto, dois estudos sobre as causas da mastite clínica no Brasil concluíram que os casos negativos (cultura negativa ou sem isolamento bacteriano) representam de 41 a 44% do total. As principais razões para a ausência de isolamento de bactérias em casos clínicos é a cura espontânea antes do diagnóstico, a ocorrência de resultados falso negativos na cultura microbiológica e quando o microrganismo não cresce nos meios de cultura tradicionais. Além deste alto percentual de casos negativos, a vasta maioria das mastites clínicas são leves (60%) ou moderadas (34%), o que significa que, de cada 10 casos, em pelo menos 9 não há risco de morte da vaca, pois somente os casos graves (6%) tem indicação de tratamento imediato. Este cenário geral leva ao uso desnecessário de antibióticos, pois, na ausência de isolamento bacteriano, não há indicação para o tratamento. A questão prática é: como diagnosticar de forma rápida e na própria fazenda as causas da mastite clínica, para então tomar a melhor decisão terapêutica?
Atualmente, existem no mercado boas opções para diagnóstico das causas da mastite na própria fazenda, conhecidas como cultura na fazenda. Nas fazendas que utilizam este sistema, após 24 horas é possível identificar se há ou não isolamento bacteriano. Nesta situação, uma questão importante é saber se há risco ao não tratar ou se há vantagem em tratar com antibióticos os casos leves e moderados de mastite com cultura negativa. Para responder esta questão, um estudo recente desenvolvido nos EUA, avaliou as respostas de tratamento, com ou sem antibiótico, em vacas com casos clínicos negativos. Os pesquisadores avaliaram um total de 121 casos clínicos que apresentaram resultado negativo após 24 horas do diagnóstico microbiológico na fazenda. Do total das vacas selecionadas, metade foi submetida ao tratamento com ceftiofur intramamário por 5 dias e a outra metade não recebeu qualquer tratamento. As vacas foram monitoradas por cerca de 90 dias após o caso clínico, com coletas de amostras para cultura aos 7, 14, 28, 63 e 84 dias, a fim de avaliar o quarto afetado. As principais respostas estudadas foram a porcentagem de falha de tratamento, a repetição de casos de mastite no mesmo quarto, o total de dias com sintomas clínicos, o total de dias de descarte de leite, a produção de leite e a taxa de descarte.
Os resultados do estudo* indicaram que não houve efeito do tratamento com antibiótico dos casos negativos sobre a porcentagem de falhas de tratamento, o que ocorreu em razão do não desparecimento dos sintomas clínicos ou piora da gravidade da mastite clínica. Não houve morte de vacas durante o estudo e não houve diferença da taxa de descarte de vacas tratadas ou não. Da mesma forma, a repetição de casos de mastite clínica foi similar entre as vacas tratadas e não tradadas. Além disso, também não houve efeito positivo do tratamento sobre o total de dias de mastite clínica (média de 4 dias), a produção de leite e a Contagem de Células Somáticas (CCS). Por outro lado, o total de dias de leite descartado foi cerca de 3 dias maior para as vacas tratadas com antibiótico (média de 8,5 dias) em comparação com as vacas não tradadas (média de 5,6 dias). Esta diferença de 3 dias de produção representou ganho de 132 kg de leite (3 dias x 43 kg/vaca/dia) por caso de mastite não tratada.
A média semanal de CCS foi de 251.000 cel/ml durante os 90 dias do estudo, não sendo afetada pelo tratamento com antibiótico. Antes do tratamento, a CCS dos quartos afetados é alta (média de 5 milhões cel/ml), mas reduz-se para cerca de 300.000 cel/ml a partir da 3ª semana após o caso clínico. De forma parecida, a produção de leite durante 90 dias após o diagnóstico dos casos de mastite clínica foi similar entre as vacas tratadas ou não (média de 43 kg/d).
Os resultados do estudo apontam claramente que quando o sistema de cultura na fazenda é usado, não há benefício do uso ou risco do não uso de antibióticos no tratamento de mastite clínica leve ou moderada com resultado de cultura negativa. Além disso, os resultados confirmam que a duração dos sintomas (tempo necessário para o leite do quarto afetado voltar ao normal) não deve ser usada para avaliar a eficácia dos tratamentos, cuja duração média é de 4 a 6 dias, independentemente do agente causador ou do protocolo de tratamento. Os autores recomendam que nos casos de cultura negativa em que não há piora dos sintomas pode-se esperar de 4 a 6 dias para considerar que houve falha de tratamento, o que demandaria iniciar o tratamento com antibiótico.
Considerando que o tratamento seletivo é uma medida relativamente recente, ainda existe receio ou insegurança por parte dos produtores, dos técnicos e dos ordenhadores em não tratar vacas com sintomas de mastite leve e moderada sem isolamento de bactérias. No entanto, os resultados do estudo indicam que não houve benefício do tratamento com antibióticos nestas vacas. No entanto, deve-se destacar que cerca de 10% de vacas apresentam falha de tratamento em até 6 dias após o início do caso clínico, as quais necessitam tratamento com antibióticos.
*Fonte: Fuenzalida e Ruegg, J. Dairy Sci. 102:3321–3338 2019 (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0022030219301286)
*Professor Titular – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Universidade de São Paulo |Qualileite – Laboratório de Pesquisa em Qualidade do Leite.