Leite

Os ingredientes da crise sem precedentes no setor lácteo

A produção de leite passa por momentos de altos e baixos. Dependente do mercado consumidor interno, é influenciada por muitos fatores, além da própria produção. O cenário atual, no entanto, é desfavorável para o setor, que considera viver uma crise sem precedentes. “A luz amarela já passou, estamos em luz vermelha”, afirma o Secretário-executivo do Sindilat/RS, Darlan Palharini.

Os sinais apareceram aos poucos e os efeitos no bolso dos produtores cresceram nos últimos meses. “Nós estamos com queda do preço na produção. Estava com um preço bom e vem caindo já há três meses. Nós produtores estamos torcendo que para por aí, mas a grande verdade é que o leite sempre foi um produto com altos e baixos, independente até da pandemia, sempre foi muito baseado no consumo da população e na produção das propriedades rurais”, relata o produtor João Amantino.

Os movimentos de queda começaram em julho, quando o valor de referência caiu 1,35%. No mês seguinte, houve uma pequena elevação de 0,45%. Em setembro a diminuição foi de 1,97% e em outubro, o valor de referência do leite ficou em R$ 1,6463, 4% abaixo do valor de setembro. O Conseleite/RS informa que o aumento acumulado nos custos industriais é de 33% e a reposição de preço do leite ao varejo foi de apenas 12,8% nos últimos 12 meses.

Em relação aos produtores, no comparativo de setembro de 2020 com o de 2021, a ração subiu 26,5%, o diesel 65%, e a ureia e os fertilizantes 120%, conforme a entidade. A situação levou a críticas dos produtores quanto ao método do cálculo e pelo menos três entidades se afastaram do Conselho Paritário Produtores/Indústrias de Leite do Estado do Rio Grande do Sul (Conseleite), que antecipou a revisão dos custos de produção.

Os custos de produção do leite sofreram com o aumento dos insumos | Foto: Bruna Scheifler/Destaque Rural

Fatores

A “tempestade perfeita” que afeta o setor é composta por diversos fatores. A sinalização de um aumento significativo dos insumos veio ainda no segundo semestre do ano passado, com a desvalorização do real. Entre os produtos que encareceram estão o milho, a soja, embalagens e energia elétrica. No entanto, esses custos eram repassados para os consumidores que, amparados pelo auxílio emergencial, ainda conseguiam arcar com as despesas. Neste ano, a diminuição do auxílio e outros fatores impactaram a renda das famílias. Desta forma, uma parcela da população precisou abrir mão de produtos como leite de caixinha, leite em pó e derivados.

“É uma situação de desequilíbrio porque não tem produto que chegue ao consumidor que consiga remunerar ou absorver esse custo”

Darlan Palharini, secretário-executivo do Sindilat/RS

“Quando existe o aumento da energia elétrica ou a própria inflação, que está em 10%, o consumidor tem que fazer uma escolha de qual produto ele vai consumir ou o que ele vai pagar. Estamos cientes que temos um produto na mão que é de consumo em massa”, analisa Darlan.

Apesar do histórico de instabilidade, enquanto a crise mais grave da história se agrava, o risco é de abandono da atividade pelos produtores, especialmente os menores. “Principalmente aqueles produtores que estão na faixa de até 200l ou menos de 200l/dia. Eles tem um impacto maior nessa questão de alta de custos e do preço ao produtor, que em alguns casos não está fechando a conta nesses meses”, afirma o secretário-executivo.

Alternativas

A produção de leite depende do farelo de soja e do milho para a complementação da alimentação dos animais, especialmente para o gado confinado. O preço do milho, por exemplo, aumentou 17% entre dezembro de 2020 e 2021, conforme o indicador ESALQ/BM&FBOVESPA, divulgado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). “É uma situação de desequilíbrio porque não tem produto que chegue ao consumidor que consiga remunerar ou absorver esse custo”, explica Darlan.

Uma alternativa muito adotada por produtores é o gado a pasto, inclusive por João Amantino, que encontrou na técnica uma forma mais rentável para a sua produção. “Eu já fui para a produção de leite a pasto porque economicamente é mais estável e mais barata. Cinquenta por cento do custo de um bovino de leite é a alimentação. Se eu faço uma produção de leite com o pasto como alimentação preferencial e majoritária, eu consigo diminuir o custo e com isso eu enfrento um pouco melhor as fases de dificuldades”, explica Amantino. Ainda assim, ele precisa suplementar a alimentação e não escapa dos preços altos do milho e soja.

O momento de dificuldade também é considerado como de aprendizado e evolução para o setor pela necessidade de encontrar alternativas. Entre elas, Darlan cita a certificação de doenças, a busca pela sustentabilidade e produção de leite orgânico. “A gente precisa também olhar para dentro do setor e ver quais ações a gente pode fazer para buscar alguns nichos de mercado para esses momento e até para melhorar a remuneração como um todo”, analisa.

Desta forma, a principal estratégia do produtor tem sido investir em irrigação. “Fizemos bons açudes que nos permitem aumentar as áreas de irrigação. Com as áreas de irrigação, eu passo bem mais fácil os períodos de escassez de chuva e as deficiências de pasto”, destaca.

Limitações

A busca por alternativas na produção, por outro lado, possui um limite. “Todas essas soluções são de médio prazo, nenhuma é uma solução rápida”. Por isso, ele pede cautela durante o período de instabilidade. Além disso, o setor sugere que sejam realizadas compras governamentais e que o Programa de Exportação, uma demanda antiga, seja implementado. No entanto, também reconhece que existem limitações nessas soluções, especialmente em relação ao orçamento público.

“Pedimos o apoio do governo estadual no que tange a questão tributária e do federal também em algumas medidas que possam amenizar a questão de compra ou diminuição de alguns custos de produção”, diz Darlan, em referência ao possível aumento de carga tributária no Rio Grande do Sul. “É um período que precisa efetivamente haver muito diálogo entre as partes para que a gente possa em conjunto achar alguma alternativa que se torne menos traumática para a cadeia como um todo”, finaliza.