Dois cenários de desafios climáticos distintos marcaram o final de 2023 do produtor brasileiro. Por um lado, excesso de chuvas e até mesmo inundações, que atrasaram o plantio de algumas culturas ou prejudicaram as que já estavam em andamento. Por outro lado, fortes ondas de calor extremo com falta de precipitações, trazendo clima de deserto ao campo. As consultoras técnicas Jociela Neres e Maria Valesca Lima Soares, que atuam no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso, vivenciam, com grande proximidade, as duas realidades e auxiliam o produtor, por meio de suporte técnico e inovação através de novas tecnologias, buscando alternativas que auxiliem à mitigação dos impactos causados pelos extremos.
Jociela, que vê secar o chão no Mato Grosso, e estima que a grande maioria, 90% dos produtores rurais foram afetados de alguma forma pela estiagem naquele Estado. “Em uma visita técnica nas áreas de campo de geração de demanda, me deparei com uma triste situação de encontrar talhões em estado crítico. Vi como os funcionários, gerente e produtores, pediam “aos céus” para mandar chuva nem que fosse dez milímetros, que já ajudariam a aliviar a situação”, conta a especialistas. Segundo ela, muitos produtores relataram, na região de Primavera do Leste (MT), que perderam uma média de 2,8 mil hectares de soja. “Alguns produtores perderam em torno de 80% do plantio da soja. Houve muito replantio nessas áreas”, relata.
A consultora técnica também menciona que muitos produtores estão investindo na cultura do algodão como alternativa. “Na região de Primavera do Leste, houve um acréscimo em torno de 30% no plantio do algodão safra, deixando de lado a cultura da soja, considerando as áreas de replantio”, detalha, explicando que em algumas regiões, os produtores ficaram mais 28 dias sem uma gota de chuva.
Já Maria Valesca, enfrenta os efeitos do El Niño. Ela conta que os produtores gaúchos saíram de seguidas safras com secas no verão e o que auxiliava era a safra de inverno, especialmente de trigo. Por causa do fenômeno climático, os gaúchos enfrentaram uma safra chuvosa de inverno e muita umidade na entrada do verão. “Para o produtor, ao fazer as pulverizações para proteger o trigo, foi extremamente difícil a entrada nas áreas, pois chovia muito. Quando foi para colher, muitas áreas atrasaram. O PH da maioria dessas áreas ficou abaixo de 70, o que é ruim para o produtor”, conta a especialista.
Atraso também ocorreu no plantio da soja, sendo que no começo de dezembro, quando houve períodos mais secos, foi possível realizar o serviço. “Os relatos que escuto vindo de produtores é esse impacto do clima de que já foi prejudicial para a safra de verão, para a de inverno, e que mostra muita insegurança quanto ao que vai acontecer daqui para a frente. E no milho, a mesma situação. A situação já é conhecida, pois resultará em uma produtividade menor visto que choveu muito, resultando em mais períodos chuvosos e nublados com poucos momentos de sol”, frisa.
Para a consultora técnica, a preocupação do produtor é a estabilidade climática, o que vai ocorrer daqui para a frente, é realizar o investimento na lavoura e se vão conseguir colher. “É uma preocupação constante, pois o produtor relata que tem produtos disponíveis e não consegue aplicar. Escuto relatos de preocupação de como vai ser a safra, se conseguirão fazer uma boa colheita. Toda a cadeia do agronegócio que atende o produtor, o consultor, o agrônomo, a revenda, o distribuidor, todos ficam preocupados”, complementa Maria Valesca, explicando que todo o segmento agrícola vem vivendo o mesmo problema.
Analisando o clima e os impactos no campo, no mês de novembro, por exemplo, a cidade de Araçuaí (MS) obteve um recorde na temperatura registrada no ano, chegando a incríveis 44,8ºC. As anomalias na temperatura foram sentidas em diversas regiões, como em Belo Horizonte, São Paulo e no Rio de Janeiro. Foi necessário um replantio significativo da área de soja devido às chuvas irregulares. Diferentes realidades foram enfrentadas pelos produtores, que levaram a um ritmo lento no plantio em torno de 74%, no Rio Grande do Sul, no Norte e Nordeste. Com excesso de chuva, o Rio Grande do Sul também sofreu com plantas de baixo porte e ameaça ao potencial produtivo. No Paraná, houve morte de plantas, doenças foliares e replantio em algumas áreas. Já na região do Matopiba, que engloba Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, a falta de chuva causou atraso no plantio de forma significativa, quando comparado ao ano anterior. A situação só foi menos impactante no Tocantins, com atraso de apenas 2%.