O clima está condenando mais uma safra gaúcha de milho. Produtores de diversas regiões do estado registram perdas significativas, de até 100% em decorrência da falta de chuvas e do calor no estado. “Milho não tem mais, o milho acabou, temos que torcer pela soja para fazer milho safrinha, mas tem que chover”, relata Edson Weber, pequeno produtor de Roque Gonzales.
O município, localizado na região das Missões, é um dos mais atingidos, com perda média estimada em mais de 70%. A situação é particularmente mais difícil para esses pequenos produtores, que já vem registrando perdas há pelo menos três safras e dependem do milho e da água para manter os animais.
“Quase não tem mais água nas propriedades, os animais dependem dos poços artesianos lajeados e está tudo seco. Mais um ano muito difícil e pior do que o ano passado. Vai ser muito difícil conseguir manter os animais e a produção [de leite] já tem queda de 30%. As dívidas estão aí para serem pagas e não tem de onde tirar”, relata o produtor Lírio Frank, também de Roque Gonzales.
“Nós já estamos com perdas consideráveis e irreversíveis. Vamos ter uma redução sim de produção e de produtividade”
José Vanderlei Waschburger, gerente Regional da Emater/RS-Ascar de Santa Rosa
“Na safra passada, com exceção do milho plantado bem cedo, foi uma das maiores estiagens já ocorridas aqui em todos os tempos. E agora nós já estamos com perdas consideráveis e irreversíveis. Vamos ter uma redução sim de produção e de produtividade, dependendo muito do que vai ocorrer daqui para a frente”, afirma o Gerente Regional da Emater/RS-Ascar de Santa Rosa, José Vanderlei Waschburger. Considerando a média regional, o prejuízo está estimado em 32%.
Número e regiões
No ano passado, a quebra passou de 55%, de acordo com a Emater/RS-Ascar, em uma das piores estiagens já registradas no estado. Na safra atual, as perdas estão estimadas em mais de 10% na média estadual, de acordo com dados de 22 de dezembro. Apesar do número já ser alarmante, na prática a situação é ainda mais complicada, considerando que em alguns municípios as perdas passam de 70%.
Uma característica que está marcando esta safra é que as chuvas estão ocorrendo de forma desuniforme e muito localizadas. Desta forma, até mesmo lavouras próximas apresentam grandes diferenças. Além disso, fatores como época de semeadura e cultivares também são decisivos.
Esse é o caso de uma das regionais mais afetadas no estado. Em Bagé, as lavouras da microrregião da Campanha ainda podem se recuperar. Já na microrregião da Fronteira Oeste, onde as lavouras são semeadas mais cedo, as perdas já estão consolidadas. Em Manoel Viana, por exemplo, a quebra passa de 75% em relação ao estimado inicialmente.
Os danos alcançam até as lavouras irrigadas, devido ao calor forte que inviabiliza o pólen e reduz os grãos, além da quantidade limitada de água nas barragens. “O estresse que a planta sofre e o gasto de energia dela é muito grande, então mesmo com irrigação você não consegue [manter a produção]”, explica o técnico regional da Emater Guilherme Zorzi. Soma-se a isso o encurtamento de ciclo causado pelas condições climáticas, o que também afeta os grãos e reduz a produtividade.
Além disso, a falta de chuvas está atingindo o milho justamente em períodos críticos para o desenvolvimento. “Pode ter um volume adequado de chuvas durante todo o ciclo da cultura, mas se no período de floração e enchimento tiver falta de umidade, a cultura vai ter um aspecto bom, mas a espiga terá um tamanho menor”, explica Waschburger.
Ademais, a falta de chuvas já é duradoura, o que beneficiou a safra de inverno, mas também afetou a reserva de umidade no solo, trazendo efeitos agora no verão. “Nós não tivemos chuvas intensas e isso vai judiando, o déficit hídrico é muito grande, as chuvas são de 20 a 30 mm e elas não recuperam a umidade no solo. Então dá uma reanimada no milho e depois ele continua a sofrer de novo”, relata o presidente do Sindicato Rural de Santa Rosa, Denir Frosi.
Proagro
Na última safra, até abril, a Emater/RS-Ascar registrou mais de 21,5 mil comunicados de perdas solicitando a cobertura do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) sendo que 3,6 mil comunicados eram relativos a lavouras de milho.
Em Santa Rosa, o escritório regional da entidade está recebendo em média de 50 a 70 solicitações todos os dias. “O pessoal fica bem apreensivo, principalmente porque muitas propriedades estão tendo uma sequência de duas safras com esse problema, tivemos também na safra passada e a maioria dos produtores também cultiva soja, onde praticamente todos perderam”, lembra Waschburger.
“A gente sempre recomenda fazer o acionamento assim que tiver uma consolidação da perda e evitar fazer o acionamento com lavouras que podem ser recuperadas”, explica Zorzi.
O seguro, no entanto, não cobre a integridade das propriedades. Com praticamente 100% do milho perdido, o agricultor Daniel Roll Richert tem 05 dos 14 hectares cultivados sem o Proagro. Ele estima um prejuízo financeiro de R$80 mil. “Estamos tendo que adiantar o corte do milho para a silagem. Poucos pés conseguiram formar espigas e os que formam espigas não conseguiram formar grão”, relata. Esse é o recurso adotado pela maioria desses pequenos agricultores para tentar minimizar o impacto.
Efeito cascata
A quebra do milho causa um efeito contínuo em toda a cadeia. Dentro das pequenas propriedades, a atividade leiteira está ameaçada. Essa é a principal fonte de renda de Lírio Frank, no entanto, sem o milho e sem retorno financeiro com o leite, medidas mais drásticas podem ser adotadas caso a falta de chuvas continue. “Não queremos e não podemos desistir, não tem como desenvolver outra atividade na nossa pequena propriedade, mas talvez diminuir os animais”, considera o produtor.
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Indo mais além, a quebra do milho no Sul do país também gera impactos no mercado e nas demais cadeias pecuárias. “Isso acaba mexendo com o mercado, é um movimento que já se enraizou. Quando há rumor de uma estiagem, o preço do grão já sobe, quando há rumor de algum tipo de dificuldade logística, o preço do grão já sobe, porém eu acho que a dor nos ensina a buscar alguns mecanismos”, afirma o presidente executivo da Associação Gaúcha de Avicultura, a ASGAV, o José Eduardo dos Santos. Entre as alternativas buscadas pelo setor está importar grãos de outros países e estados, além de incentivar o cultivo de cereais no estado.
Demandas
Para enfrentar a estiagem, demandas antigas são a irrigação e recursos para reservação da água. O governo estadual está implementando uma série de medidas em resposta às últimas estiagens. Contudo, o pagamento do SOS Estiagem, benefício pago a grupos vulneráveis de produtores atingidos pela estiagem, por exemplo, começou a ser realizado em 13 de outubro deste ano. Também foram assinados convênios para escavação de microaçudes em junho.
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No caso do produtor Lírio Frank, ele acredita que políticas públicas para subsidiar a produção e mais linhas de crédito poderiam ajudar a manter a atividade. “Se viesse alguma ajuda nesse sentido, temos certeza de que seguiríamos forte para seguir produzindo”, afirma.
Enquanto isso, os produtores pretendem persistir na produção, buscando alternativas no campo para manter o cultivo. Plantio direto, híbridos mais resistentes, investimento no solo, matéria orgânica e palhada são algumas opções apontadas. No entanto, todas elas possuem limitações. “Quando a estiagem chega num certo ponto, acaba vencendo até as melhores estratégias de manejo”, afirma Zorzi.
Previsão
A previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) para janeiro é de chuvas abaixo da média no Rio Grande do Sul, onde o volume deverá ficar abaixo de 200 milímetros (mm). “A previsão de chuvas irregulares em grande parte da região no mês de janeiro, com destaque para as áreas centrais do Rio Grande do Sul, pode impactar negativamente os níveis de água no solo e as culturas agrícolas que se encontram em estádios fenológicos mais sensíveis, como soja, milho primeira safra e feijão”, informa o Instituto.
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