O agronegócio não é o setor mais favorável ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Pelo contrário, é um dos segmentos com que o petista teve mais dificuldade de diálogo na campanha e mais propenso a apoiar o seu adversário, o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL). Ainda assim, Lula encaminhou propostas ao setor e agora ambos os lados precisam dialogar para avançar economicamente, dada a relevância do agro para o PIB do país.
Para compreender o que Lula pretende pôr em prática durante seu governo, é preciso observar suas propostas, mas também é possível olhar para trás, para seus governos anteriores e para os mandatos de Dilma Rousseff (PT). A Destaque Rural conversou com dois especialistas sobre o que se pode esperar do novo governo Lula no âmbito econômico para o agronegócio.
Retrospectiva
Lula viveu, durante seus governos, o boom das commodities e conseguiu se beneficiar dos resultados econômicos e ter uma “relação saudável” com o agronegócio, além de uma balança positiva entre exportações e importações. A situação, no entanto, mudou nos governos Dilma. “Seja pelo fim do boom dos preços internacionais inflado pela demanda chinesa, bem como os vários conflitos com Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e produtores rurais. O empobrecimento das contas públicas também trouxe menos energia para mais créditos aos agricultores e ao setor”, avalia o economista Andre da Silva Pereira, professor da Universidade de Passo Fundo.
Paulo Waquil, mestre em Economia Rural e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca que desde os anos 2000 o Brasil aumentou a produção vegetal e animal. “Foi um período com ações governamentais para a maior adoção de tecnologias e elevação da produtividade, com a ampliação do acesso a crédito, melhorias na infraestrutura, abertura de novos mercados, e também um período de valorização da agricultura familiar, com incentivos à diversificação da produção e à agregação de valor através da ampliação do Pronaf”, explica. Ainda, ressalta que essa trajetória de expansão seguiu nos governos mais recentes, mesmo com cortes de recursos.
Política Públicas
Tendo em vista esse histórico, é esperado que as políticas de incentivo à produção sejam fortalecidas, com foco na redução das desigualdades no campo, “especialmente para a maior inclusão tecnológica e a adoção de práticas para uma produção mais sustentável, o que poderá fortalecer a posição brasileira no cenário internacional”, de acordo com Waquil.
No entanto, o Plano Safra, principal política pública de incentivo à produção agrícola, pode ser um desafio para o futuro governo, considerando que o Orçamento de 2023 está se desenhando de forma desfavorável. “De certa maneira, o endividamento maior do governo e um orçamento mais curto para 2023 trará desafios para exportarmos mais grãos e sermos mais produtivos nessa área. Recursos para 2023 tendem a ser mais escassos”, resume Silva.
Waquil faz a ressalva de que existe espaço para flexibilidade e realocação de recursos, mas que isso irá exigir negociações com o Congresso Nacional. “O discurso é de conciliação; espero que o diálogo prevaleça, que haja bom senso nas negociações e ajustes no orçamento, para que o país possa levar adiante os compromissos do Plano Safra”, avalia.
Na “Carta para o Brasil do Amanhã”, divulgada poucos dias antes da eleição, Lula prometeu taxas de juros reduzidas no Plano Safra, no Pronamp e Pronaf, “para produtores comprometidos com critérios ambientais e sociais”. A viabilidade da proposta, no entanto, ainda dependerá do Orçamento e dos recursos públicos. “Pensando em meio ambiente e critérios ambientais, falhas no governo atual, teremos possibilidades de obter recursos externos para tal. Tudo dependerá de como estarão as contas públicas para 2023”, aponta Silva.
Além disso, também será preciso levar em conta o cenário econômico do país, que atualmente vem apresentando elevação da taxa de juros. “Já existem perspectivas de redução na taxa básica de juros da economia brasileira a partir de meados do ano que vem. Se tal sinalização for efetivada, poderá levar a uma redução nas taxas do crédito rural, sim. Mas certamente os programas direcionados para a preservação ambiental e para a redução das desigualdades sociais no campo, no escopo do Pronaf e do Pronamp, deverão ser privilegiados. Considero viável a sua implementação já no próximo plano safra, porque medidas assim têm grande visibilidade e uma importante repercussão internacional, podendo favorecer a maior valorização dos produtos brasileiros nos mercados externos”, afirma Waquil.
Preço mínimo e estoques
Também na Carta, Lula indicou que irá estabelecer uma política de preços mínimos. O Brasil já aplica, há décadas, a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) para garantir remuneração aos produtores de uma série de alimentos. “Acredito que teremos uma continuidade da razoável política agrícola implementada até 2022. Tudo dependerá dos recursos disponíveis para 2023 em diante”, ressalta Silva.
Apesar de já estar em vigor, o PGPM depende de recursos destinados pelo governo federal. “Nos últimos anos, o que se percebeu foram cortes de recursos, e a marcante redução nos estoques. No final de 2020, em meio à pandemia, o país teve até que importar arroz para evitar o desabastecimento. O que pode ser diferente agora é o reposicionamento de recursos, a elevação dos valores dos preços mínimos, o maior estímulo à formação de estoques visando a garantia da segurança alimentar e nutricional da população brasileira”, afirma Waquil. Medidas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) também podem ser reforçadas.
Temores
No âmbito econômico também foram manifestadas preocupações de medidas como intervenção nos mercados, com taxação de exportações e uso de estoques públicos reguladores. No entanto, é considerado difícil que ocorra intervenção nos mercados, devido ao ambiente econômico. “Taxação das exportações somente faria sentido se não houvesse disponibilidade de produto no mercado interno”, aponta Waquil.
“A inserção e uso dos estoques reguladores seria uma política de controle de preços e inflação dos alimentos, o que ajudaria com a redução futura do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)”, segundo Silva. Esses estoques também poderiam “garantir o abastecimento e estabilizar preços entre os períodos de safra e entressafra”, de acordo com Waquil.
“Vamos afastar os temores e entender que podemos conciliar os interesses e estimular uma produção sustentável tanto para o abastecimento interno como para atender às exportações”
Paulo Waquil – professor da UFRGS
Sustentabilidade e Comércio Exterior
Durante toda a campanha, Lula prometeu atenção às questões ambientais e ao desenvolvimento agrícola aliado à sustentabilidade. Esse compromisso chama a atenção de líderes internacionais e pode colaborar para a imagem do Brasil e do agronegócio no exterior. “Considero que o destaque dado na campanha para uma produção sustentável e para o desenvolvimento compatível com a preservação ambiental é muito adequado e poderá trazer benefícios para a consolidação do Brasil como um dos maiores produtores e exportadores agrícolas do planeta” avalia Waquil.
A atuação do governo Lula nas relações internacionais é amplamente aguardada, devido ao seu histórico e à repercussão da sua eleição. Entre os focos, deverá estar a manutenção da parceria com a China. Além disso, o Brasil também tem que pensar em mercados emergentes. “O presidente eleito deverá retomar as relações com países da América Latina, África, Oriente Médio e Ásia, fortalecendo o acesso a esses importantes mercados emergentes, com maior potencial para a ampliação das exportações agrícolas brasileiras”, aponta Waquil.
Expectativas
Com esse cenário posto, as expectativas para a atuação do governo Lula no aspecto econômico do agronegócio devem ser moderadas. “Em razão de não termos mais esse boom dos preços das commodities, do processo inflacionário externo e da possibilidade de recessão mundial, as relações se darão com conversas onde o financiador terá menos dinheiro para colocar na mesa. Será uma relação mais instável em função de menos dinheiro público”, ressalta Silva.
Além disso, Lula ainda deverá responder aos efeitos de crises como a pandemia e guerra na Ucrânia. Na campanha, o presidente eleito repetiu diversas vezes que a prioridade do governo será o combate à fome.“Nosso compromisso mais urgente é acabar outra vez com a fome. Não podemos aceitar como normal que milhões de homens, mulheres e crianças neste país não tenham o que comer, ou que consumam menos calorias e proteínas do que o necessário. Se somos o terceiro maior produtor mundial de alimentos e o primeiro de proteína animal, se temos tecnologia e uma imensidão de terras agricultáveis, se somos capazes de exportar para o mundo inteiro, temos o dever de garantir que todo brasileiro possa tomar café da manhã, almoçar e jantar todos os dias”, afirmou Lula em compromisso de campanha.
Para isso, deverá aplicar diversas medidas voltadas ao agronegócio. “O novo governo deverá manter os incentivos à produção e retomar a importância dos mercados institucionais, através de compras governamentais e formação de estoques, com o direcionamento para atender demandas das populações mais carentes e mais vulneráveis”, resume Waquil.
Para isso, uma boa dose de diálogo e negociação com o Congresso, entidades e produtores será necessária, de modo a garantir recursos e encontrar medidas que auxiliem no combate à fome, avanço da sustentabilidade e desenvolvimento agrícola.
Entidades
Entidades ligadas ao agronegócio já se posicionaram reconhecendo o resultado das eleições. “A expectativa para o governo democrático é a pacificação do país, a implantação de uma política econômica que leve um crescimento equilibrado dos diferentes setores e a integração entre a iniciativa privada e o poder público para a continuidade de políticas públicas em prol um agronegócio pujante, produtivo, sustentável e capaz de contribuir para a erradicação da insegurança alimentar no mundo, provendo o país de comida e energia de qualidade”, afirmou a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) afirmou que está pronta para o diálogo e a cooperação com o governo eleito. “Precisamos que o Governo do país, acima de tudo, proporcione segurança jurídica para o produtor, defendendo-o das invasões de terra, da taxação confiscatória ou desestabilizadora ou dos excessos da regulação estatal. Contamos ainda com a ação do Governo para ampliar os destinos de nossas exportações e para proteger a produção nacional das barreiras ao comércio abertas ou disfarçadas de preocupações com a saúde e o meio ambiente. Finalmente esperamos que o Governo adote uma gestão fiscal equilibrada para que nossa economia possa crescer com estabilidade. Na busca do crescimento da economia e da justiça social, somos um só povo e a política não pode nos separar”, disse a CNA.