Diferentes segmentos do setor tritícola comentam os maiores desafios e celebram avanços em qualidade e produtividade nos últimos anos
O que se tornou o símbolo da alimentação e que transformou a civilização é celebrado nesta quarta-feira (10), no Dia do Trigo. No Brasil e Rio Grande do Sul, a produção de trigo avança, ancorada em tecnologia e pesquisa. Segundo o último levantamento da safra 2020/21, realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o trigo apresentou um expressivo crescimento de área plantada, com cerca de 15% a mais em relação à safra anterior, atingindo 2,69 milhões de hectares. Para esta safra, o órgão estima um crescimento de 3,71% no consumo interno de trigo. Enquanto a colheita de trigo no Cerrado já foi finalizada, nos três estados do Sul, ela se encaminha para a reta final, com mais da metade da área já colhida. É esperado que a produção atinja o recorde estimado para esta safra, conforme o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA /USP).
Pesquisa
Antes de chegar à sua mesa, os produtos derivados do trigo percorrem uma série de etapas, algumas centenas de quilômetros rodados e um tempo de produção que pode levar até uma década. Tudo isso começa no laboratório. É lá que os melhoristas se encarregam de planejar e executar todos os processos – alguns em colaboração com outros profissionais – desde a concepção de uma nova cultivar até chegar ao mercado.
“O maior desafio da pesquisa é lançar uma cultivar melhor que as anteriores. Precisamos estar sempre progredindo geneticamente”, conta o melhorista e diretor da Biotrigo Genética, Ottoni Rosa Filho. Junto ao constante aperfeiçoamento genético das cultivares de trigo, a pesquisa tem a tarefa de se antecipar às demandas do futuro. “Se planeja uma cultivar em 2021 para chegar ao agricultor em 2030. Mas qual será a demanda em 2030? Temos que fazer o cruzamento hoje e pensar bastante sobre isso”, afirma o melhorista.
Em uma década, o cenário nacional do trigo pode mudar consideravelmente. Ao olhar para o passado, Ottoni destaca a estabilidade produtiva e a qualidade industrial como as principais evoluções da cultura nos últimos dez anos. “Essas mudanças contribuíram para a rentabilidade do agricultor, pois atualmente o trigo brasileiro possui um valor agregado muito bom”, destaca. Ao encarar o futuro, o melhorista crê em uma maior estabilidade produtiva e resistência à doenças. “Penso que também haverá uma maior regionalização em comparação com os dias atuais, em que diferentes variedades terão melhor performance em regiões distintas, em função das diferenças de solo e clima de cada local”, antecipa Ottoni.
Triticultor: produção dobrou em duas décadas
Tais diferenças ficam em evidência quando comparadas as realidades de triticultores gaúchos com paranaenses, por exemplo. Se por um lado, no Rio Grande do Sul, a incidência de doenças como a giberela é maior, na região de transição e norte do Paraná, as atenções se voltam para a presença da brusone. Para Pedro Bovo, agricultor de uma família que semeia trigo na cidade paranaense de Apucarana desde a década de 1970, essa é uma das principais adversidades em torno da cultura. “A cultura do trigo é bem delicada na região norte do Paraná. Tem se tornado frequente o clima seco em abril, então temos problemas com germinação na espiga. E, se for um ano quente, a brusone pode gerar prejuízos”, relata. Contudo, a realidade da produção não se compara àquela vivenciada por seu pai no início da relação da família com o trigo. “Na época as cultivares eram mais arcaicas. Hoje estão melhores. Isso ampliou a produtividade consideravelmente. Em um passado breve, de 15 a 20 anos para cá, quase dobramos a nossa produção”, conta o agricultor.
Cerealista
Com o notável aumento de produção nas lavouras, cresceu também a demanda pelo armazenamento dos grãos. Foi nesse espaço que os cerealistas, sejam eles cooperativas ou privados, preencheram uma importante lacuna dentro da cadeia produtiva do trigo. Pelo cereal possuir características que tornam sua armazenagem mais técnica, os silos tiveram que se adaptar à cultura. “Houve o investimento em silos de concreto deslizado, que garantem a qualidade do trigo desde a chegada até a saída do local”, aponta o gestor de grãos da Sementes Roos, Olmar Lanius. Segundo o profissional, que conta com cerca de duas décadas de experiência no ramo, um setor em específico foi importante para tornar o foco na qualidade do grão cada vez maior: os moinhos. “A demanda dos moinhos foi decisiva para melhorarmos a qualidade de armazenamento. Para atendermos a demanda, criamos o programa de segregação de grãos, que conta com dois grupos de variedades, melhorador e pão”, salienta.
Indústria
A separação das cultivares de acordo com o perfil e uso é uma etapa fundamental na rotina de produção dos moinhos. Entretanto, antes disso, o trigo passa por alguns outros processos desde sua chegada no local. Para se constatar critérios como a impureza, umidade, peso hectolítrico (PH) e micotoxinas, o trigo começa sua trajetória na etapa de calagem. Na sequência, os grãos seguem para as análises reológicas, como força de glúten (W) e falling number, que apontam a cor e a classificação do trigo para o moinho. “Nosso principal teste é no pão, com o intuito de selecionar trigos que nos deem a qualidade do pão que queremos entregar e que os nossos clientes precisam”, explica a controller do Moinho Vacaria, Marta Accorsi. Para a profissional, que mantém contato próximo com o trigo gaúcho há mais de dez anos, os avanços em qualidade foram significativos e transformadores para o ramo da indústria. “Hoje, se eu tivesse que escolher entre um trigo argentino e um trigo das últimas safras do Rio Grande do Sul, ficaria com o gaúcho”, declara.
A caminho da autossuficiência
A crescente confiança dos moinhos no trigo nacional evidencia o patamar gradativamente maior da cultura em termos de qualidade. Por consequência, ela também traz maior segurança financeira para o mercado brasileiro do trigo, que ainda possui um caminho desafiador a percorrer na quantidade de produção do grão no país. “Produzimos pouco mais da metade do consumo interno no Brasil. Isso faz com que tenhamos que importar trigo e ficar expostos às variações de preços internacionais, como o dólar”, cita o analista de trigo do Departamento de Economia Rural do Paraná (Deral/PR), Carlos Hugo Godinho. Para o profissional, um importante objetivo é o aumento da produção nacional da cultura e a redução dos custos, para que o produto se torne mais rentável e consiga suprir da melhor forma o abastecimento do país. “Temos uma importação que chega a 10 milhões de toneladas. A cada 500 mil toneladas que produzimos a mais, meio milhão de toneladas a menos precisam ser compradas em dólar, especialmente no momento em que o preço do trigo chega aos 8 pontos o bushel em Chicago”, comenta Godinho.
Consumidor
“Com o dólar lá em cima, o valor da farinha acaba subindo também e reflete no preço final que vai para o consumidor”, elucida Carla Carnevali Gomes, presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria e de Massas Alimentícias e Biscoitos do Rio Grande do Sul (Sindipan/RS). Porém, em sintonia com a indústria do trigo, Carla comenta que o consumidor tem tido uma aceitação cada vez melhor com os produtos feitos com o trigo brasileiro. “Há alguns meses, identificamos produtos preparados a partir do trigo nacional com etiquetas. Desde então, a repercussão foi muito boa, pois os consumidores desconheciam que usávamos farinha produzida no país”. De acordo com o proprietário de uma padaria em Canoas (RS), Fabiano Soares, o pão produzido atualmente possui maior aceitação do cliente. “Isso é resultado de uma qualidade de sabor, aroma, casca, duração e cor de pão maiores em comparação a antigamente, o que me gera maior confiança nos trigos nacionais”, conta.
Fonte: Biotrigo Genética