Por Daniel Pereira Guimarães, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo
O ser humano busca entender os fenômenos da natureza desde os primórdios de sua civilização. Os objetivos iniciais eram entender as épocas ideais para as práticas da agricultura, e as variações temporais do clima eram associadas às observações das fases lunares ou dos ângulos de incidência da radiação solar na superfície terrestre. A contagem do tempo surgiu com a criação dos calendários, desde aqueles do Egito antigo e da civilização Maia até os atuais, como o chinês, islâmico, judaico, juliano e o nosso calendário gregoriano, adotado pela civilização ocidental. Enquanto nosso calendário indica estarmos no ano de 2022, o calendário judaico informa o ano de 5782 desde a criação do mundo. O início do ano no calendário gregoriano no dia primeiro de janeiro tem a ver com celebrações pagãs romanas e imposições do imperador Júlio César (calendário juliano) e do Papa Gregório 13.
O calendário da natureza é um pouco diferente: teve início há 4,54 bilhões de anos, época do nascimento de nosso planeta, e tem apenas quatro fases distintas ao invés dos doze meses do gregoriano: primavera, verão, outono e inverno. Essas fases são definidas pela exposição da superfície terrestre em relação à incidência dos raios solares. O início da primavera e do outono ocorre quando a Terra se encontra em posição na qual seus Hemisférios Sul e Norte ficam igualmente iluminados pelo Sol e as durações dos dias e noites são iguais, fenômeno denominado de equinócio, que em latim significa “aequus” (igual) e “nox” (noite). O início do verão e do inverno ocorre em posições inversas, ou seja, nos solstícios de verão (noites curtas) e inverno (noites longas), quando o Sol atinge seu maior grau de afastamento angular em relação à Linha do Equador. Enquanto os calendários criados pelos humanos sofrem variações longitudinais (Ocidente e Oriente), as estações do ano possuem variações latitudinais, e são antagônicas, ou seja, o nosso período de verão corresponde ao inverno no Hemisfério Norte. Mas sempre começam pela primavera, que em latim significa “primo vere”, ou primeiro verão, indicando a ocorrência de temperaturas amenas após o frio do período de inverno, tanto no Hemisfério Sul (primavera austral) quanto no Norte (primavera boreal). O clima ameno e a chegada das primeiras chuvas operam grandes milagres, com uma explosiva proliferação de seres vivos.
O anúncio da chegada da primavera é dado ainda no final do inverno, com o surgimento das flores no meio da vegetação seca e marcada pela ocorrência de queimadas. Os maiores destaques ficam por conta dos ipês amarelo, rosa, roxo e branco. No início da primavera, temos como destaques o florescimento de sibipirunas, jacarandá-mimoso, sucupira-branca, bougainvillea e a beleza das folhas avermelhadas das sapucaias. A transformação atinge seu auge com a chegada das primeiras chuvas, induzindo a floração dos cafezais e das jabuticabeiras, além do retorno do verde nas árvores e na relva. Essas chuvas contribuem ainda para a remoção dos poluentes atmosféricos, redução da ocorrência de queimadas e melhoria da umidade relativa do ar. Essas melhorias nas condições climáticas são essenciais para a reprodução dos seres vivos, desde a revoada dos cupins e formigas, a metamorfose das cigarras, até o fim da hibernação dos anfíbios e a época de procriação da maioria das aves e dos animais, coincidindo com a maior oferta de alimentos na natureza. E tudo precisa ocorrer com muita pressa. As flores precisam se transformar em sementes e germinar logo no início da estação chuvosa. O casal de joões-de-barro precisa iniciar sua casa logo após as primeiras chuvas e terminar quando o período das chuvas se intensificar. As andorinhas viajam dos Estados Unidos para o Brasil fugindo do outono-inverno no Hemisfério Norte. A chegada no Sudeste e Centro-Oeste das aves tesourinhas, vindas da Amazônia, indica a proximidade do início das chuvas.
Após o longo período de estiagem ocorrido em 2021, as fortes chuvas que aconteceram nos meses de janeiro e fevereiro de 2022 impactaram na recuperação dos reservatórios hídricos e no abastecimento dos solos e do lençol freático e contribuíram para a boa safra agrícola atual. Apesar da previsão de continuidade do fenômeno La Niña até o final deste ano, as chuvas no Sul do País foram regulares e chegaram a atingir o Pantanal, com sensível redução nos focos de queimadas e enorme contribuição para a recuperação do bioma, que foi severamente castigado no ano anterior.
– Antecipação do início da estação chuvosa nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, com volumes significativos de chuvas na segunda quinzena de setembro, contribuindo para a recuperação das pastagens com benefícios para a pecuária (carne e leite), a floração homogênea dos cafezais (melhoria na produtividade e qualidade dos grãos), a maior disponibilidade hídrica para canaviais, fruticultura e plantações florestais, e a redução das temperaturas extremas e da ocorrência de queimadas, além da ajuda na melhoria da qualidade do ar.
– Tendências de ocorrer chuvas acima da média nas regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste entre os meses de outubro e janeiro de 2023.
Essa primavera parece que vai ser auspiciosa. Assim seja.