Agricultura

Após proibição, Carbendazim segue alvo de polêmicas

Após três anos de reavaliação, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu no início deste mês pela proibição do ingrediente ativo Carbendazim em produtos agrícolas. Já proibido em países da União Europeia, Estados Unidos, Canadá e Austrália, trata-se de um dos produtos mais utilizados na agricultura brasileira.

A proibição foi alvo de reações de ambientalistas e ruralistas. Se por um lado a crítica é pela demora na proibição total, por outro lado a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) tenta reverter a decisão, solicitando que o produto permaneça no mercado até que outra molécula seja aprovada para substituição.

A Anvisa afirma que a proibição visa “proteger a saúde da população e dos trabalhadores rurais”. Durante avaliação, a Agência concluiu que o ingrediente ativo “deve ser classificado como presumidamente mutagênico para células germinativas de seres humanos, presumidamente carcinogênico para humanos e presumidamente tóxico para reprodução em humanos”.

Além disso, o órgão não considera possível estabelecer limiar seguro para mutagenicidade e toxicidade reprodutiva. “Por menor que seja a dose efetiva para controlar fungos que causam doenças foliares ou atacam as sementes, as células dos homens e demais animais ficarão sujeitas à alteração em seus material genético (DNA), podendo, em casos extremos, levar ao desenvolvimento de doenças como câncer ou deformação de embriões”, explica o diretor da Escola de Agronomia (EA) da Universidade Federal de Góias, Marcos Gomes da Cunha, que atua na área de fitopatologia.

Apesar disso, o setor defende que o problema estaria na aplicação e utilização inadequada do produto. “Eu avalio como lamentável [a proibição] porque infelizmente o problema não é do produto, o problema é falta de informação, de conhecimento, de treinamento e de luz em cima dessa questão do uso do produto”, afirma o professor, pesquisador e consultor Marcelo Madalosso, que também estuda a área de fitopatologia.

Na avaliação do especialista, o risco sempre existe, mesmo em produtos biológicos e medicamentos. Porém, treinamentos, fiscalização, uso de equipamento de proteção individual, manuseio e armazenamento correto poderiam minimizar os riscos do defensivo agrícola. Cunha concorda que ações como essas podem “reduzir significativamente o risco de mutagenicidade e toxicidade reprodutiva”.

Utilização

O carbendazim tem o uso agrícola aprovado para a modalidade foliar e tratamento de sementes em diversas culturas, incluindo soja, arroz, milho e algodão. A FPA afirma que o país não possui registro para produto similar, com o mesmo custo benefício. Por isso, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 312/22) propõe que Carbendazim permaneça no mercado até que outra molécula seja aprovada para substituição.

Os especialistas discordam quanto às alternativas ao ingrediente ativo. “A substituição do Carbendazim não será problemática, pois já temos outros fungicidas com semelhante perfil de ação, inclusive pertencentes ao Grupo Benzimidazol, tais como o Benomyl e Tiofanato Metílico”, destaca Cunha.

Madalosso acredita que a substituição será mais complexa e que não existem alternativas disponíveis no mercado. “A gente vai ter que tentar trocar o tipo de produto numa mistura, tentar aumentar a dose, aumentar o uso de alguns outros produtos que não eram tão eficientes. Então, infelizmente, a gente vai tentar compensar”, afirma o consultor.

Proibição

A proibição seguirá um cronograma gradual, seguindo recomendação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O órgão considerou o esgotamento dos estoques como a opção de menor impacto ambiental.

O plano de descontinuação do carbendazim inclui a interrupção da importação, produção, comercialização e uso de produtos técnicos e formulados em até 12 meses. Com o plano, está permitido que os produtos adquiridos destinados ao uso final sejam utilizados até o seu esgotamento, desde que seja respeitado o prazo de validade. “O plano de descontinuação também considerou o tratamento industrial de sementes para atender a safra de verão que se inicia em julho, além do plantio das culturas de verão que se encerra, de maneira geral, entre os meses de fevereiro e março”, diz a Anvisa.

“Na prática, a Anvisa está simplesmente permitindo a utilização do atual estoque de matéria prima para síntese carbendazim, bem como a comercialização do estoque de carbendazim disponível no mercado”, resume Cunha.

Em relação ao processo de adaptação do produto, Madalosso afirma que a proibição pode ter efeitos na qualidade de produtos agrícolas e de produtos finais. “Infelizmente, o produtor vai ter que se adaptar e usar o que tem. Esse princípio ativo é extremamente importante para tratamento de sementes contra fuzario e extremamente importante contra a giberela”, explica.

Processo

O processo até a proibição do Carbendazim foi longo e cumpre determinação judicial que deu o prazo de 60 dias, desde junho deste ano, para a conclusão. Naquele mês, a agência chegou a suspender cautelarmente o carbendazim.

Em relação às formas de acelerar o processo sem comprometer a saúde da população, o meio ambiente e a produção agrícola, Cunha defende uma mudança na legislação. “Acredito que deveríamos ter uma modificação na Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989, que regulamentou os agrotóxicos, permitido à Anvisa o imediato cancelamento de registro de qualquer produto agrotóxico que tenha sido proibido em seu país de origem em função de ação tóxica sobre o ser humano e o meio ambiente”, defende.

Um levantamento divulgado em 2020, realizado pela ONG Public Eye, em parceria com o Unearthed, unidade de investigação do Greenpeace do Reino Unido, mostrou que o Brasil está entre os países que mais importam agrotóxicos produzidos e proibidos na União Europeia. No levantamento não constam importações de carbendazim pelo país, porém ele é importado da UE por diversas nações, inclusive Chile e Equador.