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Rússia x Ucrânia: setor de carnes no Brasil não deve ter forte impacto na demanda de exportação

Guerra no Leste Europeu: setor de carnes no Brasil não deve ter forte impacto na demanda por proteínas brasileiras.

Ao contrário do setor de commodities agrícolas que foi um dos mais fortemente afetados pelo conflito no Leste Europeu, o setor de carnes no Brasil não deve ter forte impacto na demanda por proteínas brasileiras, apontam pesquisadores do Centro de Inteligência da Carne Bovina (CiCarne) em boletim divulgado pela Embrapa.

O impacto deve ser menor já que a Rússia e a Ucrânia são compradores com pouca relevância comparados a outros países. Juntos, suas importações representam no mercado global 1,9% de carne bovina, 2,6% da proteína de frango e 1,1% de suínos. Atualmente, a Rússia não está entre os grandes destinos dos produtos do agronegócio brasileiro.

Segundo a FGV Agro, o Brasil exportou quase US$ 1,3 bilhão para a Rússia em 2021 frente à cifra de US$ 3,7 bilhões, em 2014. Entre os principais produtos exportados pelas atividades de agroindústria, os destaques ficam com as carnes de frango e suína (US$ 191,0 milhões) e a carne bovina (139,0 milhões). Em 2021, foram 106 mil toneladas de frango, enquanto os embarques de suínos somaram 9,29 mil toneladas, e as vendas de carne bovina atingiram 35,35 mil toneladas. A Rússia tem diminuído sua dependência na importação de proteínas e investido na produção interna. Já a Ucrânia nunca foi um mercado relevante para as exportações brasileiras de proteína animal.

A forte demanda chinesa e norte-americana deve manter o bom desempenho das exportações de carne bovina brasileira enquanto durar o conflito. Uma evidência disso foram os embarques do mês de março, que atingiram um volume recorde para o mês, de 169,41 mil toneladas, o que representou um avanço de 26,6% sobre o resultado obtido em igual mês de 2021, de 133,82 mil toneladas, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Foi o terceiro mês consecutivo de volume recorde das exportações brasileiras de carne bovina – no acumulado do primeiro trimestre, as vendas externas foram recordes tanto em volume quanto em receita.

Insumos

Entretanto, os russos são parceiros estratégicos como fornecedores de fertilizantes para a nossa produção. O principal insumo utilizado na agricultura é o fertilizante. Estima-se que cerca de 20% dos fertilizantes do complexo NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) importados, anualmente, pelo Brasil vêm da Rússia. A produção de bovinos de corte no Brasil é, substancialmente, feita em pastagens e que demandam práticas de adubação.

O impacto do conflito no Leste Europeu será significativo nos fertilizantes, caso haja desabastecimento ou aumento de preço dos principais produtos. Em 2021, o preço dos fertilizantes aumentou cerca de 100% no Brasil, impactando nos custos de produção, mostrando a importância para o Brasil no desenvolvimento e aperfeiçoamento de fontes de fertilizantes alternativas como forma de contingenciar os efeitos pós-guerra no aumento dos preços. O investimento em pesquisa e criação de políticas públicas já está ocorrendo.

O aumento dos preços das commodities certamente vai afetar o custo da produção de proteína animal, com maior impacto para aves e suínos, mas também para a bovinocultura de corte intensiva, que se utiliza da ração como fonte de nutrição dos animais.

Cerca de 65-75% dos custos de produção de frangos são associados ao milho, enquanto nos suínos esta relação está entre 60-70%, e na pecuária intensiva entre 20-30%. O reflexo no custo da proteína animal brasileira dependerá diretamente do tempo que durará o conflito. Para mitigar ao máximo o aumento desses produtos, o setor precisará urgentemente de “calibragens” nos sistemas produtivos. A expectativa é de enfraquecimento do Produto Interno Bruto (PIB) da pecuária de corte em 2022, tendo como principal fator de pressão o forte aumento dos custos com insumos ao longo de todas as etapas da cadeia produtiva.

Há efeitos também decorrentes do aumento dos combustíveis, em virtude do aumento do petróleo no mercado internacional. O setor é muito afetado pelo aumento do custo de frete ao longo de toda a cadeia de produção. Estima-se que da composição do custo operacional do transporte rodoviário, 35% é com o diesel; enquanto na navegação gira entre 40% e 50% do frete marítimo. O aumento do petróleo também reflete nos preços dos defensivos químicos e das embalagens.

Há também os problemas de ordem logística. Que empresa estará disposta em colocar seus navios para buscar fertilizantes, milho ou trigo em região de conflito? E se colocar, qual o tamanho do custo de transação envolvido? Essa dificuldade de recebimento e entrega é um desafio. Adicionalmente, o comércio internacional é feito por trade[1]. O bloqueio financeiro realizado por meio da suspensão a bancos da Rússia do sistema de pagamento Swift, que padroniza as operações comerciais entre países nos negócios internacionais, vai impactar no aumento dos custos de transação.

Relação de troca

Por fim, a elevação dos custos de produção na cadeia produtiva da carne bovina brasileira deve fazer com que haja um aumento no processo inflacionário e uma pressão de repasse ao longo da cadeia de produção atingindo o consumidor final, que já se defronta com uma situação inflacionária no mercado doméstico. Mesmo antes da guerra, o cenário mais otimista para trajetória de queda no preço da carne era 2023. Adicionalmente, com a menor oferta global — causada pela guerra —, a exportação brasileira de carne bovina se fortaleceu, mantendo firmes os preços pagos pelos animais terminados e fazendo pressão no preço da carne bovina no mercado doméstico.

Em um cenário de retomada econômica lenta, no qual a recuperação de empregos tem ocorrido, mas com redução de renda da população empregada, pode-se esperar novas reduções no consumo per capita de carne, já bastante baixos. Todavia, é possível que essa queda seja amenizada pelo fato de ser um ano de eleição, que, historicamente, aquece o mercado.

Fonte: Embrapa